a tirania dos padrões de beleza
como a moda influencia nossa relação com o corpo e os ideais de beleza na sociedade contemporânea.
A tirania dos padrões de beleza nos acompanha como uma sombra, moldando não só nossa percepção da moda, mas, principalmente, a forma como enxergamos nossos corpos. Recentemente, ao assistir ao documentário In Vogue: The 90’s, fiquei pensando em como a moda desempenhou um papel central ao promover estéticas como o “heroin chic” e o corpo de supermodelos magérrimas e quase etéreas. Esses ideais, inatingíveis e rígidos, deixaram marcas profundas em toda uma geração, especialmente para quem foi adolescente nos anos 90 e 2000, como eu.
Para quem se interessa pelo tema, recomendo A Substância (2024), um filme que me marcou profundamente e que, tenho certeza, trará identificação para muitas mulheres. O verdadeiro elemento de terror é o quão real ele é, revelando sem filtros a realidade de ter um corpo feminino nos dias de hoje. A obra explora o impacto psicológico de tentar corresponder a padrões inatingíveis, expondo como o corpo feminino se torna um campo de batalha diante das expectativas sociais – e o quanto essa perseguição constante pode deteriorar a saúde mental.
A moda, como parte da cultura visual, carrega um poder ambíguo: tanto constrói quanto desconstrói esses padrões. Historicamente, o corpo feminino tem sido moldado por uma estética opressiva, que glorifica a juventude e desvaloriza qualquer traço de autenticidade ou envelhecimento.
Esse culto à juventude, incentivado pela mídia e tendências de “anti-aging”, cria uma pressão estética e psíquica profunda. As indústrias da moda e beleza, ao reforçar a ideia de que “mais jovem = mais belo”, acabam promovendo uma idealização que aliena as pessoas de suas próprias realidades corporais.
O resultado é que, de tempos em tempos, surge um novo corpo “ideal” na moda, que passa a ser cultuado e valorizado. Nos últimos anos, o movimento body positive ganhou força, clamando por mais inclusão de corpos fora do padrão nas passarelas, capas de revista e produções audiovisuais. Porém, como reflexo do ciclo da moda, os anos 2000 voltaram a ser tendência e, com eles, o corpo extremamente magro dessa época.
A gente pode até ter se livrado dessas revistas que prometiam “secar a barriga em 5 dias” com dietas milagrosas, mas vivemos hoje a cultura do Ozempic, na qual celebridades e figuras da mídia a cada aparição parecem estar mais magras, reforçando esse ideal inatingível para muitas e desgraçando nossa cabeça.
Na cultura digital, o corpo é “curado” e “filtrado”, reforçando esses ideais e transformando o corpo em um objeto de consumo. Tatiane Trinca descreve muito bem essa condição: “o corpo reina e padece diariamente. Propagam-se as ‘deficiências’ e os limites corporais, desvalorizam-se as singularidades e potencialidades dos sujeitos, tornando-os descartáveis e sem sentido; ao mesmo tempo, o corpo é aclamado como objeto de adoração”.
Na minha vida pessoal e na minha atuação como consultora de imagem, vejo a moda como ferramenta de autoexpressão – um espelho autêntico de quem somos, e não uma imposição externa. Por isso, evito a análise de biotipo e a ideia de pode/não pode, e prefiro recomendações que evidenciem o que cada pessoa ama em si mesma. Pode parecer algo simples, mas a mudança de foco de esconder o que se rejeita para destacar o que se valoriza faz toda a diferença na forma como nos vemos e nos sentimos em nossas roupas ✨
“toda opressão cria um estado de guerra” - Simone de Beauvoir
No fim das contas, o desafio é entender como o corpo e a moda podem se tornar veículos de liberdade. A moda deixa de ser opressiva quando a utilizamos como um campo de autenticidade e expressão pessoal, ditando nossas próprias regras e transformando cada peça em uma escolha consciente e cheia de significado. Essa abordagem é, em si, uma forma de resistência aos padrões, reafirmando a moda como um espaço onde podemos definir e viver nossa própria beleza – além dos limites impostos pela cultura.
Até a próxima!
Beijos,